Há uns tempos uma amiga enviou me um post de um blog para eu ler. Sofia mãe de um menino com uma doença rara, foi desafiada a escrever sobre o que gostava que lhe tivessem dito sobre educar/fazer crescer uma criança com deficiência.O que ela escreveu é uma lição de vida para algumas pessoas que se preocupam com a perfeição em todos os pormenores patéticos.
http://eosfilhosdosoutros.blogspot.pt/
Sofia Ribeiro Fernandes
O pedido: "O que gostava que me tivessem dito sobre educar e fazer crescer uma criança com deficiência". O pensamento imediato: "Que me tivessem dito T-U-D-O. Que existisse um manual de construção-desconstrução escrito por um qualquer sábio." Mas de facto, depois de pensar no que iria escrever, acho que o melhor seja mesmo explicar o que é a deficiência, porque só depois desse primeiro passo de aprendizagem é que as dicas se encaixam que nem peças de puzzle.
Segundo a OMS, deficiência é o impacto de uma incapacidade de um órgão, de uma função ou estrutura no desempenho de alguma actividade, condicionando desvantagem para o mesmo indivíduo. Definição pomposa, científica, escrita nos livros. Segundo eu própria, Mãe de primeira viagem de um menino que não tem tempo para aprender, porque o faz quando bem lhe apetece (sirvo esta última expressão acompanhada de um piscar de olho), a definição foi mudando ao longo dos 6 anos.
Num primeiro instante, a deficiência era tenebrosa, limitativa, assustadora. Passou vagarosamente a vergar e a moldar-se como a plasticina. Deixou de ser uma palavra incómoda. E, curiosamente, passou quase a ser vulgar, porque as incapacidades de muitos que se acham saudáveis traduzem sim verdadeiras lacunas da alma. E, o que podiam ou deviam ter dito sobre educar e fazer crescer uma criança com deficiência? Posso reformular a pergunta: o que N-Ã-O me deviam ter dito sobre educar e fazer crescer uma criança com deficiência?
N-Ã-O me deviam ter dito "vai ser igual à menina X de cabelo dourado" que vive numa cama de hospital e sorri de vez em quando. Deviam ter dito que passo a passo, um dia de cada vez, o caminho constrói-se, talvez com alguns tropeções, na maioria das vezes imprevisíveis.
N-Ã-O me deviam ter dito que não vai ser o menino que cresce no pensamento de cada Mãe ao mesmo tempo que cresce a barriga, porque mesmo que não ande, corra, faça contas de somar e caia no chão, tem o direito a ser feliz à sua maneira. Deviam ter dito que mesmo que não consiga sentar, andar, correr e fazer contas de somar, as mãos de quem está perto devem manter-se firmes.
N-Ã-O me deviam ter dito que é parecido com o pai ou com a mãe. Deviam ter dito um vamos saber porquê, sem que os dedos estupidamente e numa mesquinhez tão comum de espírito se apontem.
N-Ã-O me deviam ter dito que não vale a pena, obviamente que não me disseram nunca desta forma crua, marmórea e fria, mas este discurso pintalgava muitas vezes dissimulado por entre a ciência do " tens de te habituar, já sabes que não vai ser médico". Deviam ter dito que todos os instrumentos lhe devem ser facultados, todas as oportunidades, todos os desafios. ( E, também quem disse que queria que fosse médico?)
N-Ã-O me deviam ter dito que me refugiei no trabalho. Deviam sim permitir uma maior plasticidade horária para que se possam assistir às sessões vastas diárias de mil e uma terapias.
N-Ã-O me deviam tentar fazer ter pena de mim, de nós e dos outros meninos sem relógio. Deviam gargalhar com as piadas que eu própria digo. Deviam dizer para chamar à atenção e dar uma palmada de vez em quando.
Ao escrever tudo isto, penso em como não se ensina ninguém a moldar, educar e fazer crescer uma criança com deficiência... Quem se molda, educa e cresce é quem está por perto, quem dá as mãos e quem faz o caminho pelos trilhos sem nunca olhar para trás ou para o menino sem relógio do lado.
Educar uma criança com deficiência, é um acto de amor um bocadinho mais generoso que educar uma criança saudável. (Desculpem o pretensiosismo.) Mas, é também um acto mais colectivo, menos só, um acto de Mãe, Avós, Professores, amigos da escola todos misturados numa sopa de letras. É simplesmente isso, um acto de amor sem limite, sem comparação, sem tempo estabelecido. Se tiver de ser, será.
O que se deve dizer? Passo a passo, muitas vezes pequeninos, dia a dia, colher a colher, tentar tudo por tudo, chorar de vez em quando, chamar a atenção, castigar também, mas deixar voar ao sabor do vento e mais do que isso, gargalhar até fazer doer a barriga."
FONTE/ Link :
:)
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